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domingo, 29 de junho de 2008



Quando se fala em extinção é comum pensar em espécies da fauna ou da flora, lembrar do aquecimento global, do efeito estufa, do rombo na camada de ozônio... Mas não é exatamente disso que se trata.
Anos de pesquisas, investimento, avanço tecnológico e algumas profissões, por obsoletas, deixam de existir.

As máquinas de escrever, por exemplo, não são mais usadas. Logo, estão extintos os professores de datilografia. Você alguma vez se deixou embalar pelo som de uma máquina dessas? A seqüência cadenciada das letras e do espaço; as mudanças de linhas; a retirada da página. O ritmo em conformidade não com habilidade de tocar teclas, mas com as certezas e dúvidas próprias de quem tenta tocar as palavras e com elas alcançar os outros.
Os postes para iluminação pública no passado eram acesos por homens. Logo no início, usavam fogo e óleo, muitos anos depois, bastava virar a chave do interruptor. Eles vinham a cada entardecer e colocavam olhos nas ruas e praças. Quando amanhecia eles voltavam, lhes dando descanso.
Claro, é o progresso e nada contra as inovações... quer dizer, talvez uma pequena objeção, ou melhor, faz de conta que esse é um minuto de silêncio em homenagem às atividades arcaicas que de uma queda foram ao chão.

Ela pensava nisso, enquanto lia numa revista de antes de anteontem, que cientistas conseguiram extrair o DNA de um tigre-da-Tasmânia - bicho simpático, meio zebra, meio lobo que deixou de existir em 1936.

Foto: http://lunati-que.deviantart.com/art/el-tiempo-pesa-68640914

domingo, 22 de junho de 2008

"Don't be coming, come!"


O inverno chegou, desde ontem às 20 horas e 59 minutos. É bem verdade que o tempo não se ocupa dessas formalidades, parece que até brinca com elas. Tanto é assim, que faz uns dias que aqui é inverno de meias e luvas.
Exatamente por isso a manhã de hoje foi um presente. Um sol manso apareceu deixando o azul frio do céu ainda mais claro. As cores estavam vivas, mas não ofuscantes, simplesmente existindo, luz na medida certa.

Encantada, ela assistia à manhã, quando ouviu mais uma vez a voz. Não vinha de fora como o vento que dá na cortina; mas de dentro, tal qual eco de um pensamento. Era uma espécie de chamado para tudo o que ela poderia ser se quisesse, se permitisse...
Não era a primeira vez que ela percebia essa comichão, mas sempre respondia com um "já vai" medroso ou um "preciso me organizar" reticente. Essa era a criptonita dela: a apreensão diante da dúvida; a incerteza quanto à altura e a possibilidade de vôo; a imobilidade.

Apesar disso, ainda arde a brasa que alimenta o desejo de vertigem e é certo que ela vai acabar virando labareda.

quinta-feira, 12 de junho de 2008


"Em uma cidade há um milhão e meio de pessoas, em outra há outros milhões; e as cidades são tão longe uma da outra que nesta é verão quando naquela é inverno. Em cada uma dessas cidades há uma pessoa; e essas pessoas tão distantes acaso pensareis que podem cultivar em segredo, como plantinha de estufa, um amor a distância?" Rubem Braga - Não ameis a distância!



Ela conhecia o aviso do escritor - "Não ameis a distância, não ameis, não ameis!"


Pensava, com um meio sorriso estampando o rosto: caro Rubem, de tantos textos, tantas vezes lidos... tem hora que não dá para contar com a geografia.
Apesar da admoestação, lá estava ela seguindo exatamente pela vereda oposta. Ignorando solenemente o conselho. Sim, apesar de todas as opiniões e advertências, sumiços e saudades, ela hoje faz parte do aflito grupo dos que querem os de longe.
Já seguiu mar a dentro, e embora goste do balanço, percebeu que para se ajustar à distância vai precisar de engenho e arte (meio Lusíadas mesmo...)
Os braços têm que ser longos e fortes. Prontos para chegadas e despedidas. Aptos para malas, abraços demorados e ainda mais para carregar a alma.
Pacientes de horizonte, devem ser os olhos. Tantos dias com mais de vinte quatro horas, tantos minutos com menos de sessenta segundos...
A escrita deve correr, ser rápida como Pégaso, ágil como Hermes. Retrato instantâneo do agora, resposta imediata do sentir.
No mais, lighting crashes...



Foto: http://biskuitoreo.deviantart.com/art/long-distance-call-40153241

terça-feira, 3 de junho de 2008

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Não tanto à melancolia, as manhãs cinzentas sempre lhe foram propícias à reflexão.
Em dias assim, os pensamentos seguem a fluidez das nuvens e voam como levados pelo vento. Alguns, talvez por serem menos aventureiros ou, quem sabe, mais teimosos, se deixam ficar, fazendo hora na ante-sala do entendimento.

Na cama, entre travesseiros espalhados e sonhos incompletos, ela se encolhe sob as cobertas. Gosta de acordar devagar, ir aos poucos despertando o corpo e espreguiçando as idéias, dando tempo para a alma se acomodar. Nesse intervalo, antes de atravessar definitivamente a fronteira para o aqui, ela escreve livros, verdadeiros compêndios; desenvolve teorias das mais complexas e variadas; visita lugares e pessoas, sem risco de desencontros, mata saudades.

Abre os olhos devagar e sente os dedos de luz que vão se esticando pelas frestas da persiana até alcançar suas pernas. Lânguida, imersa no quase, pensa em como se compôs canção de hoje.