Uma sensação de falta, um incômodo que insistia em segui-la até em casa. Pelas calçadas de sempre, aumentava e diminuía o passo, mas foi vã sua tentativa de despistar a inquietude.
Chegou, desabotoou a saia e abriu a janela como se buscasse uma liberdade figurada, deixou que o vento brincasse com os seus cabelos por alguns instantes, enquanto tentava esquecer... mas não conseguiu.
Impaciente foi ao banheiro, com as mãos em concha e em movimentos repetidos jogou água gelada no rosto. Pouco tempo depois a água lhe escorria pelo pescoço, molhando a camisa já amarrotada e arrepiando a pele. Abrindo os olhos, viu seu reflexo no espelho... pode ouvir a voz de Cecília - "eu não tinha esse rosto de hoje. Assim calmo, assim triste...".
Ali, entregue, largou as armas, tirou as máscaras, despiu-se do figurino e descalçou os sapatos de concreto.
Para sua surpresa, na medida em que se afastava do modelo que lhe era imposto, com mais clareza via a si mesma. Longe dos excessos, da certeza fixa e da verdade pronta, pôs-se atenta e por fim, pode escutar a sua alma.
Quando deu por si, a noite já ia alta. O silêncio era regra, excetuado apenas por um rádio, que numa batida gostosa repetia, lá longe, "a vida é curta para ser pequena."
Pensando que amanhã seria o primeiro dia, olhava o mundo pela janela do apartamento: tudo era diverso... Seus olhos eram os mesmos, mas o foco era outro.
Cansada e feliz, vestiu o pijama e foi dormir.
Foto: http://detail24.deviantart.com/art/life-83390630