E aconteceu que um dia ela acordou com os olhos embaçados. Eles não doíam ou ardiam, não estavam vermelhos ou inchados, mas tudo que via era semelhante a uma fotografia mal focada.
Piscou várias vezes... Faltou ao trabalho. Usou colírio... Fechou as cortinas. Por fim, marcou uma consulta.
Piscou várias vezes... Faltou ao trabalho. Usou colírio... Fechou as cortinas. Por fim, marcou uma consulta.
Dirigir? Andar? Escolheu um táxi - bem ela que fazia tempo não confiava nos olhos dos outros. Enquanto o carro seguia, colocou os cabelos atrás da orelha e arrumou os óculos escuros, que eram grandes como o medo.
Exames físico e complementares... inconclusivos.
Nada errado, foi o que o médico disse, entregando a receita - um colírio e um calmante.
Ela conhecia um outro tipo de falta de visão: Já ficou cega de raiva, tropeçando em sonhos desperdiçados e arremessando palavraspedra; cega de paixão, tateando paredes de castelos feitos de nuvens e vento; já fechou os olhos com força para não enxergar o que não queria, numa espécie de cegueira voluntária; e já foi incapaz de ver o que estava bem na sua frente, num tipo de ingenuidade instrumental. Mas em todos esses casos ela via com os olhos, era a razão que estava obliterada. Agora não, o mundo parecia nublado.
Desanimada pegou outro táxi, queria ir para casa...
O motorista - um senhor que parecia muito idoso para dirigir - puxou conversa. Taí uma coisa que ela não tinha a menor vontade de fazer naquele momento, conversar. Então se limitou a ouvir, soltando de vez em quando um aham, um sei, ou um imagino.
Quando estacionou o carro na porta da casa dela o senhor perguntou:
- Vista ruim?
Ao que ela respondeu com outro aham.
- Coração úmido embolora as vistas - foi o que ele disse enquanto dava partida no carro.
E de repente ela tinha pressa.
Subiu as escadas, trombando com sombras. Destrancou a porta de casa e correu para o quarto. Abriu gavetas e armários - devia estar ali, em algum lugar - o tempo passava e tudo era desordem: roupas na cama, livros no chão, cabelos soltos no rosto... Ela estava cansada e apreensiva, mas agora só faltava uma cômoda antiga.
Abriu devagar, gaveta por gaveta, sem sucesso... Em desalento, mas ainda segura por um fio de esperança, abriu a última e foi lá que encontrou, guardado bem no fundo, junto com outras coisas antigas e usadas, o coração, que um dia tinha tirado do peito.
Com cuidado, colocou-o de volta no lugar - certas coisas não devem ficar em gavetas.
Abriu devagar, gaveta por gaveta, sem sucesso... Em desalento, mas ainda segura por um fio de esperança, abriu a última e foi lá que encontrou, guardado bem no fundo, junto com outras coisas antigas e usadas, o coração, que um dia tinha tirado do peito.
Com cuidado, colocou-o de volta no lugar - certas coisas não devem ficar em gavetas.
http://bellemagie.deviantart.com/art/Paper-Heart-59217882
23 comentários:
Espero que ela nunca mais tire o coração de onde ele nunca devia ter saído!! Bjos L. Narradora
Ps: Tb acho q é melhor ser querida q famosa! Rssss
Então Gra, também estou na torcida.
Bjs
que coisa mais perfeita mulher!
*----------------------*
o meu eu tbm tirei, mais nao sei onde está, então to com a vista meio ruim até hoje..
preciso encontrá-lo e rapido né?
beeeeijo
No peito sempre é mais seguro.
Beijos*
a gaveta é uma prisão de verbos...
Tatah,
Bem vinda moça!
Coloca de volta logo...rs
Bjs
Alê,
Acho que ela não tira mais. :)
Bjs
Wagner,
Talvez todo esconderijo seja uma espécie de prisão.
Bem vindo.
Bjs
bacana o blog!!! bom fds...
Ensaio sobre a cegueira. *-*
Belo lay. Belas palavras. Bela visão do amor.
Beeijos!
lindo!
ainda mais no momento em que me encontro. O coração tah precisando voltar pro lugar e me fazer enxergar o mundo de uma forma menos séria e menos preocupada.
adorei!
Umas gotas de coração é um bom remédio pra visão. As fotos continuam embaçando, às vezes penduradas tortas, às vezes em porta retrato lacrado...mas sempre ali, à vista.
Esse texto diz tanto.. de tanta coisa. Difícil comentar. Já li duas vezes.
P***** que p*******
Adorei muito!!1 Sério.. Parece que eu tinha que ler isso. Abri seu blog primeiro hoje. Eu tenho visitado sempre, mas nem sempre tenho ficado animada para comentar nos blogs...
mas esse texto seu nao podia deixar de comentar.....
Acho que preciso abrir as gavetas!!!!
Beijos!!!!!
Muito bom,garota.
estremeço,
como sempre.
eu que guardo tantas coisas em gavetas, e ainda não tenho coragem de sequer assumí-las.
grande abraço.
Kilder,
Bem vindo e obrigada.
Zinha,
Obrigada.
Bjs
Rê,
Coração no lugar e cabeça tranquila... boa dupla essa..rs
Bjs
Camilla,
Eu acho que muitas vezes a gente - até pra evitar sangue - cola um olhar blasé na cara, aprimora um freio ABS super, e seguem em frente, sem deixar que a vida encoste na gente. Resultado, coração úmido, olhos embaçados. Hora de abrir a gaveta.
Bjs
Mariana,
Aproveita a primavera... bom tempo pra arejar a alma. :)
Bjs
Obrigada, moço Marcelo.
Bjs
Meu caro Luiz,
O tempo ajuda com as gavetas.
Bjs
:) i like it
Lindo texto, Luciana.
Amar e amar sempre e voltar a amar. E também acho. Gavetas são para coisas transitórias. Tem coisa que não cabe numa caixa ou quadrado.
E voltei a ler você.
Desculpa ter sumido.
Bjs.
Olá Narradora!
Há um novo concurso no Travessa do Ferreira – www.travessadoferreira.blogspot.com . Até às 24:00 de quarta-feira, 17.
Com prémios, como habitualmente. Concorre! Ainda vais a tempo!!! Espero a tua visita. Diz-se que a primeira é que custa mais... Mas, na Travessa, não doi... nem se paga
Qjs
Rodrigo,
:)
Alice,
Que bom que voltou.
Realmente, tem coisa que não cabe.
Bjs.
Antunes,
Seja bem vindo.
Fui lá arriscar um palpite.
Bjs
Assim tu me deixa sentimental. ;)
Luciana, você escreve com o coração, por isso guarde ele sempre dentro do peito.
Bjs
Miss Mary West,
Ficar sentimental de vez em quando é bom, né?
:) Bjs
Joseph,
Bem vindo por aqui.
Pode deixar, de agora pra frente ele fica no lugar.:)
Bjs
"palavraspedra"
Chato se dar conta que já foi alvo.
Mais chato saber que já arremessou.
Bjos.
João,
Bem mais chato mesmo.
Bjs
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