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domingo, 27 de abril de 2008

Idéias e labirintos

Pensando, matutando, cismando... gastava uma grande parte do tempo assim, absorta em cogitações, que faziam curvas; traçavam retas; às vezes se perdiam em corredores escuros; muitas outras, acabavam em jardins ou quintais com sol e roupa quarando.
Se alguém tentasse acompanhar o fluxo do seu pensamento, talvez se perdesse em meio a tantas idas e vindas, cabriolas e rodopios.
Num primeiro momento podia parecer um problema de fácil solução: migalhas ou pedrinhas serviriam para marcar o caminho, assegurando o regresso de quem se aventurasse.
Mesmo assim, a exemplo da fábula infantil, não seria garantido.
Se ela, agitada, balançasse a cabeça para afastar um pensamento inoportuno (como de hábito), as pedrinhas ficariam misturadas e já não sinalizariam o caminho, mas num pequeno monte, denunciariam a confusão.
Por outro lado, caso se deixasse levar por devaneios (o que não é incomum), ficando um pouco avoada, o vento criado pelo bater das asas das idéias, faria com que as leves migalhas alçassem vôo e perdessem a serventia.
Mas ainda poderia existir um jeito... Tal qual Teseu, o intrépido visitante, pessoa assim destemida, poderia utilizar um fio, por via das dúvidas, um cabo. Entraria pelos olhos, que é o lugar certo para conhecer os pensamentos, e com a corda presa ao cárdio, que por ser músculo deve ser forte, andaria pelos corredores, superaria becos sem saída e alcançaria o centro.
Não há pomo, é verdade, mas tem uma menina de rosto vermelho que fica por ali pulando corda, com o rabo-de-cavalo balançando e que não se faz de rogada quando chamada para papear.
Ps: Maria, obrigada pelas idéias.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Possibilidades


Não se pode ter paz evitando a vida.
(Virgínia Woolf)

Enfim percebeu a vida como um emaranhado de caminhos: com rotas entrelaçadas, estradas vicinais, vias com trechos interrompidos, pistas duplas e simples.
Agora, olhando para trás consegue ver de forma clara as escolhas, as omissões, os atalhos e rodeios que compuseram seu trajeto até aqui.
E lá está ela de novo, parada diante de mais uma encruzilhada.
É ela, mas diversa... sem o cenho franzido, o maxilar tenso ou os ombros curvados, a vida já não lhe pesa.
Traz no rosto um sorriso amplo e um olhar estampado e é assim que conduzirá o seu destino de hoje em adiante, desenhando o futuro com lápis de cor e giz de cera.

Se você estiver passando por ali, talvez imagine se tratar de um caso corriqueiro de indecisão. Afinal, diriam alguns, é apenas uma mulher parada numa encruzilhada, olhando o horizonte.
Grande engano.
Ela, determinada, sabe que o tempo é por demais precioso para ser gasto com o asfalto, melhor mesmo é admirar a paisagem.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Faxina


Vestido xadrez de vermelho, pés descalços e olhos vendados... foi girada para um lado, depois para o outro... barulho... meio tonta e sem ver direito, se guiou por vultos e vozes... cabra cega no quintal.
Depois de crescida, algumas vezes se sentiu assim. Caminho turvo, escolhas fundadas em suposições e receios. Mas, nada como o tempo para clarear as idéias e redesenhar o horizonte.
Ela balançou a cabeça, fazendo cair esses pensamentos que estavam enrolados nos cachos dos seus cabelos. Foi à cozinha, pegou uma caneca de café - quente, forte e puro. Ligou o computador para responder o e-mail:

"Muitas vezes me peguei pensando em como a gente encontra as pessoas. São tantas as coisas que têm que se encaixar antes mesmo do primeiro 'oi'. Você já imaginou se tivesse chegado um pouco depois ou saído um pouco antes? (aplicação da teoria do caos aos relacionamentos interpessoais - um bom título para uma tese. Com o subtítulo apropriado, teríamos um livro de auto ajuda com maquiagem científica...risos).
Sua tolerância com os meus desacertos, serenou o tumulto da minha cabeça e me ajudou a aquietar o coração. Então eu concordo com você, desencontros podem ser encontros em potencial - talvez em novo formato ou noutro ritmo, mas nem por isso menores em importância.
Quanto ao CD, eu só reparei depois que você falou, alguns trabalhos anteriores da Adriana Calcanhoto tiveram mesmo o mar como tema. Antes de ir, vou deixar uma das músicas que eu disse que gostei.
Guardo você comigo,
Beijo."

Ilustração: Claudia Degliuomini

terça-feira, 15 de abril de 2008

O senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal *?

(Kurt Halsey)


Quando ela era bem pequena, os pais dela tinham um sítio, nos finais de semana iam todos para lá. Ela achava tudo encantado, gostava de pensar que a chácara dela era parente próxima do Sítio do Pica-pau Amarelo.
Existia um pomar enorme que ela amava desbravar, calçada com as suas botas sete léguas amarelas (a insistência na cor pode parecer defeito no texto, mas fazer o que? a realidade por vezes se repete). Bom, é verdade que havia um problema, ela embora peralta era novinha, e algumas árvores eram bem altas, resultado, logo fez amizade com as jabuticabeiras.
Tinha também um córrego, onde ela pescava girinos com copos de vidro transparente. Ela dizia que eram peixinhos e ficava intrigada porque a mãe não deixava mais os copos que ela usava junto dos outros, dizendo que tinham ficado sujos. Mas como podiam ser sujos se eram bichinhos da água? (até que ela descobriu que eles viravam sapos... um cataclismo).
Numa certa feita, o pai viajou, ficaram os três - ela, a mãe e o irmão. O caseiro do sítio, muito falante, começou a contar a história da antiga proprietária, recentemente falecida. Narrava ele, que a senhora gostava muito do lugar, tinha feito o pomar, plantado as flores, escolhido o lugar da casa, e que não tinha tido muito tempo para aproveitar. Por isso ela sempre voltava para visitar o sítio. Todos riram muito e o dia passou. Nessa época, não havia eletricidade na região. À noite, ela, o irmão e a mãe costumavam caçar vagalumes. A mãe, cuidadosamente, amarrava os bichinhos pela cintura com uma linha, numa espécie de fila e depois prendia o comboio no pé da cama (não carece chamar a defesa dos insetos brilhantes e oprimidos porque eles eram soltos depois, quase sempre...). Nessa bendita noite a mãe adormeceu e não soltou os bichos, de madrugada, ela acorda e vê o clarão ao pé da cama, imagina se ela lembrou dos vagalumes....
O tempo passou, o sítio foi vendido, a área que era rural virou urbana.
Dessa época ficaram as histórias e a amizade pelas jabuticabeiras. Três vivem no quintal da casa dela e não a deixam esquecer do tempo das botas amarelas.

* Uma das últimas frases do texto Olhe aqui Mr. Buster...de Vinícius de Moraes.

sábado, 12 de abril de 2008

Sonho


Ela entrou no que parecia ser um enorme livro. Na verdade era um álbum daqueles antigos, com folhas grossas e cantoneiras nas fotografias.
A primeira era de um casamento. Encostou na foto para ver melhor e acabou caindo lá dentro. Deu por si, sentada no chão em frente à igrejinha branca. Levantou rápido, meio desajeitada, batendo a poeira dos joelhos. A noiva entrava, bonita de dar gosto, andava pausado e olhava pros lados. Ao passar por ela, parou por um instante e sorriu de um jeito conhecido... Aquela moça era a vó dela, quer dizer, ia ser ainda. Ela queria perguntar tanta coisa, mas se limitou a sorrir de volta e a noiva-vó seguiu seu caminho.
Ela saiu da foto e continuou perambulando supresa-intrigada-animada.
Logo se deparou com três crianças, todas arrumadinhas. As duas meninas estavam sentadas e o menino entre elas, de pé. A menina mais nova, de olhos pretos e com a barra do vestido suja, acenou com entusiasmo, era a madrinha. Ela respondeu o aceno, mas a menina já estava entretida puxando uma linha solta no forro da cadeira.
Andando, viu vários dos seus nas fotos seguintes, na medida em que avançava no tempo, os tons em sépia davam lugar às cores. A fotografia dos pais, em lua-de-mel, era de um colorido polaroid meio esmaecido.
Um pouco mais a frente e lá estava ela, com uns quatro anos. Se recordava desse dia. Era uma fotografia de família, todas as famílias iam tirar uma foto para um anuário. Estavam a mãe, com um vestido vermelho lindo; o pai, de terno com colete e tudo; ela com um vestido azul e o irmão, com um conjunto marrom. O fotógrafo posicionou todo mundo: o pai de um lado com o irmão no colo, a mãe do outro lado e ela no meio. Na frente, perto do fotógrafo, tinha uma senhora com poucos afazeres, que ficava falando - sorri, olha para cá, vira para lá - uma chatice. Como essa organização toda já tinha demorado um pouco e a paciência sempre lhe foi escassa, encheu as bochechas de ar, franziu a testa e ficou olhando para tal senhora, que estava prestes a dar um siricutico. Alheio a isso tudo, o moço tirou a foto e ela ficou de bico congelado.
A última fotografia era escura, não dava para ver com nitidez a paisagem de fundo. A luz que entrava pela janela alta, incidia de forma indireta e só mostrava uma silhueta, era uma imagem bela. Will you count me in? Enquanto se aproximava... I've been awake for a while now... ela divisava o encosto da cadeira....You've got me feeling like a child now... os ombros...cause every time I see your bubbly face... tinha uma sensação de familiaridade... I get the tinglies in a silly place ...
Era a música do despertador do celular.
Permaneceu na cama por um tempo, deixando que os pensamentos amarrotados se espreguiçassem.
Ilustração - Patrícia Lima

sábado, 5 de abril de 2008

Companhia

Um sol pálido num céu azul sem nuvens, belo início para um domingo de outono. Ela sabia que aos poucos o sol rarearia e o frio se infiltraria pelas portas e pele. Restaria, dessas manhãs de pintura, a saudade.
Pensando nisso, percebeu que nos últimos tempos tem trazido a saudade consigo: solta na bolsa; embolada no bolso; presa à blusa com um alfinete; no cabelo, grudada no grampo. De um modo ou de outro, têm sido companheiras constantes.
Não que ela seja dessas moças melancólicas que vivem penduradas às janelas dos sobrados, cujos suspiros profundos embalam as tardes cinzentas - não, não, ela não. Ela gosta de manhãs de sol, de passear pela cidade, de cenas coloridas, de foto preto e branco e de trilha sonora.
Mas, de uns meses pra cá ela nunca está sozinha, essa senhora bifronte tem andado com a mão no seu ombro. Normalmente, é cordata e calma, uma dama das antigas, educada pra falar baixo e se movimentar com leveza, se fazendo notar apenas pelo sorriso comportado. Noutros dias, no entanto, ela acorda dançando flamenco e faz com que a moça, que não conhece o ritmo, tropece nos seus passos... Aí, a rua é apertada e quarto é amplo.
Observação importante:
A Mariana me deu esse selinho aí do lado (eu adorei). Agora eu tenho que indicar mais cinco pessoas. Vamos lá.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Afeto, união e interseção


O grupo animado que podia ser visto numa mesa afastada, no bistrô do centro da cidade, era formado por sete mulheres. Numa espécie de desvio na rotina, tinham aberto espaço entre os seus compromissos, pois queriam estar juntas.
Refletiam realidades e escolhas distintas. Variavam em idade e forma de pensar.
A de olhos profundos, via na simplicidade das coisas quotidianas a beleza presente em Rubem Braga e Quintana; outra, confiável e prestativa, precisava de evidências e gostava de lidar com certezas manifestas, era pragmática e chorava com filmes antigos; a mãe de primeira viagem, trazia à mão o celular e só enxergava fraldas e mamadeiras, mas reluzia de felicidade; a que era avó, ainda com as olheiras do doutorado, mostrava satisfeita a aliança de noivado e o retrato do sorridente estrangeiro; uma outra, vinha com o bronzeado que tinha conseguido no campeonato de natação que os filhos participaram e ganharam, como ela não cansava de dizer, falava ainda da fotografia de Sebastião Salgado e de que como ficava intrigada e encantada com os escritos de Clarice; uma delas se recuperava de uma separação, mas a dor já não nublava o seu sorriso; a de cabelos curtos, expansiva e amorosa, ouvia com atenção e sorria com freqüência, como fazem as pessoas que estão em paz.
Falavam de sapatos e bolsas, as cores e tendências da nova estação; dos amores, passados e presentes, seus defeitos e qualidades, suas ausências e as perdas; do início da campanha presidencial, com a saída das primeiras pesquisas e os possíveis candidatos; das mais novas dietas e da eterna segunda-feira; de trabalho e desejos.
Tomavam vinho e sorriam felizes. Mulheres diferentes, unidas pelo afeto.


Ilustração de Luciana Feito, "Pajaritos".