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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Já era tarde e ela de alma leve arrumava as malas...
Já tinha feito isso noutros tempos, mas dessa vez eram malas de encontro, pesadas de alegria e cheias de futuro.


Ps: Para todos um ano novo caprichado e até o fim das férias...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Não é um bicho matutino, quem dirá madrugador. Acordar cedinho sempre bota seu relógio interno de ponta cabeça. Aí ela fica assim, um pouco (mais) atrapalhada, como quando tem feriado no meio da semana e ela insiste em achar que o dia seguinte é segunda-feira.

Mas naquela manhã levantou cedo por vontade e saiu para dar uma volta pelo bairro.
Caminhava devagar, vendo coisas a granel, como na música de Luiz Gonzaga. Algumas construções recém iniciadas, pequenas reformas já no final, mudança nas cores das fachadas e, aos poucos, o que era conhecido ia se transformando.
O mesmo acontecia com ela, ainda que por fora, se mantivesse plácido espelho d'água; por dentro, corredeiras de nunca e sempre, teimavam em buscar sentido morro acima.

Ela apressou o passo e um vento mais atrevido brincou com a saia do seu vestido. Um sorriso aberto, feito sol que inaugura verão, estampou-lhe o rosto.
Era tempo de mudança, logo uma nova estação chegaria, daqui um pouco era outro ano. Como ela não tinha certeza se o vento era de feição - como os marinheiros chamam aquele que favorece o caminho escolhido - decidiu baixar as velas e pegar os remos, afinal, depois de muito tempo ela sabia bem onde queria chegar.



Ilustração: http://frecklefaced29.deviantart.com/art/Silent-Girl-18951127

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Uma janela nunca é uma simples abertura na parede por onde entram a luz e o ar. Bom, pelo menos não para ela...
Desde pequena tinha afeição por janelas, algumas vezes ficava com o queixo no parapeito e se deixava ali esquecida, tentando adivinhar a vida das pessoas que passavam lá embaixo - sim, porque primeiro ela morou num prédio.
Depois a família mudou pruma casa e ela pulava a janela para chegar mais rápido no quintal, não que fosse longe, era ela que tinha pressa: queria tudo, logo e ao mesmo tempo. Não gostava de escolher... mas se fosse necessário, entre uma porta e uma janela, abriria mão da obviedade objetiva da primeira, e optaria, sem pestanejar, pela sutileza intuitiva da segunda, gostava bem mais desse enquadramento.
Até que um dia colocaram grades nas janelas. "Uma questão de segurança" - foi como o pai explicou. "Uma chatice" - foi o que ela achou.
Mas o tempo passou e ela descobriu novas janelas: os livros, os quadros, as fotografias, os filmes, as músicas, os olhos... cada um de um jeito, todos ricos em possibilidades.

Hoje, depois de muitos dias de sol e poeira, choveu pesado. As pessoas com seus guarda-chuvas, capas e agasalhos coloridos pareciam retribuir a gentileza cinza do céu. Era bonita a cena vista da janela.
Quanto a ela, faz tempo que o queixo ficou mais alto que o parapeito, raramente pula janelas para encurtar caminho, mas continua querendo tudo, logo e ao mesmo tempo.


http://as2pik.deviantart.com/art/Winter-End-II-82454046

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Canto nenhum no mundo parecia tão dela quanto aquele...
Piegas? Talvez.
Clichê? Certamente.
Mas ela não precisava de uma felicidade inédita e cheia de estilo, envolvida numa complexa construção lingüística, de salto alto e vestido longo.
Não. Era uma mulher normal, vivendo uma alegriavestidodechitaepésdescalços. Toda ela, lugar-comum.
Tinha um amor e naquela hora estava nos seus braços.


E ela falava sobre o clima e lugares, músicas e pessoas, o último filme que viu e suas milhares de teorias sobre tudo.
Com a mão esquecida no seu peito, acompanhava o subir e descer da respiração tranquila e as vibrações das risadas limpas.
Enquanto isso sentia os cabelos afagados com o cuidado de quem cata estrelas.
Naquele momento, canto nenhum do mundo parecia tão dela quanto aquele...




sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Nunca gostou dos jogos que muitas vezes permeiam os encontros amorosos: quedas de braço e cabos de força; lutas e torneios; xadrez e dama.
Do mesmo jeito que é difícil usar salto em areia movediça, é custoso deixar acessível o coração quando ele se transforma em troféu. Ela sabe bem como é ficar com a cara na parede, como aqueles bichos raros: caçados, abatidos e empalhados com olhos vítreos cheios de nada.


Foi por isso a ligação noturna, cheia de álcool, cansaço e esperança.
Disse numa carreira, para não perder a coragem: "Eu não jogo, não gosto do efeito em mim. Quando eu falo sim, eu quero. Umas vezes me arrependo do não. Mas medo, eu tenho mesmo é do se e do quase".


Mas não era hora para você: muito perto, muito rápido e muito certo. Era tanto que assustou e por ser exato, não coube. Virou excesso e portanto, houve resto.


Ela ficou parada ali, na esquina onde se reúnem todos os que tentam. Tomou chá com o tempo, confidenciou com a paciência e olhou a paisagem. Satisfeita com o caminho, levantou e limpou a poeira das roupas - é, poeira é uma coisa curiosa, o pouco que se demora e pronto, ela já mora em você.
Movimento, era disso que ela carecia. Começou a andar, sentir o vento e olhar as nuvens empurrando as horas.


Logo ali na frente, numa esquina dos dias, o seu sorriso. De repente, numa virada de mês, a noite veio e trouxe um beijo. Então o seu tempo chegou e era junto - ela e você, passos entre barcos de papel.


domingo, 26 de outubro de 2008

Acordou com sede...
O barulho do ventilador já tinha virado uma cantilena constante.
Nessas noites quentes tinha dificuldade de dormir, a cama ficava sem encaixe.
Estava suada, a camisola grudada no corpo quente.
Descalça, foi pro banheiro. Era um alívio sentir o frio do azulejo nos pés.
Deixou a roupa no chão.
Com o chuveiro todo aberto se abandonou na água, sentindo a pele esfriar devagar. Não se enxugou.
Foi à cozinha... ainda tinha sede.
A luz da geladeira velha, amarelava o chão molhado.
Pegou o celular na bolsa. Estava com sono.
Discou o seu número, mas desistiu; já estava muito tarde, talvez fosse madrugada...
Escreveu uma mensagem curta: Tô com calor de você.
Vestiu-se de perfume e voltou para cama.


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Hoje acordou do avesso, na verdade nem dormiu, sentiu o amanhecer com os olhos em brasas e a alma amassada...

Fazia tempo isso não acontecia... mas com ela, o sono, vez em quando, revivia esse costume estranho de se fazer de rogado e balançar os braços, agitando uma tempestade de porques, feito vento forte que levanta poeira.

Parecia claro que alguns dos seus destinos escritos já não eram mais realizáveis. Mas o nunca acendia nela uma fome e abria as comportas que permitiam que a moça de pernas cruzadas e vestido discreto, contivesse em si, as outras tantas que carregava.

Quando se rebelava, em dias insones, pintava as unhas dos pés de vermelho vivo. Ousava não combinar a bolsa com os sapatos. Atravessava a rua fora da faixa. Comentia o delito de pisar na grama.
Mas hoje, estava cansada de cartilhas e caligrafias, cansada pela noite mal dormida e pelos dias em que se deixou presa das expectativas alheias.
Queria sua própria verdade, então, vestiu um decote e saiu pela rua com seus óculos de uma perna só, procurando pistas de si.
Queria mais que um sorriso no portão, afinal ela era de segunda à domingo. Mais que um bilhete, sua vontade era de cartas intermináveis. Desejava a generosidade abusada do excesso.

E então você ao telefone... com voz de banho dá bom dia e chama pra vida.
Amar, isso sim é transgredir.



domingo, 12 de outubro de 2008

Ao contrário da noite passada, quando os minutos velozes encurtavam o tempo e afastavam os lábios, apressando a despedida; a manhã surgiu vagarosa e abusando das metáforas, nuvens escuras e pesadas se espreguiçavam lentamente, o dia andava a pé.

Rolou na cama, procurando o seu corpo-limite para que tivesse paragem e abrigo, mas tudo era amplidão. Se encolheu, com o barulho da chuva que aumentava, sentiu uma falta de pele, mas era uma saudade sem ponta, igual tesoura de criança que quase não corta, só marca.
Decidiu levantar, estava contrária ao dia...


Vestiu um sorriso largo e confortável; ligou o ventilador dando uma aragem artificial para os pensamentos; escolheu uma música de sol - simples, crescente e divertida, que falava do tempo sem pressa; lápis de cor em folha branca e num instante arco-íris no céu...
Os problemas... Ah, para que existe segunda-feira?


Foto:http://cukier-puder.deviantart.com/art/come-fly-with-me-97741647

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Não gostava de relógio, andar sempre algemada ao tempo, não era coisa para ela, precisava de braços livres para andar e das mãos soltas para falar... Mas estava atrasada e não entendia porque: tinha começado a se arrumar com uns minutos de folga, havia separado a roupa e escolhido o sapato... seria rápido, mas a cena dela parecia estar em slow motion.

O centro da cidade, em horário de pico, era uma confusão de buzinas e sirenes, vozes e músicas; uma mistura de cores e coisas, propagandas e estilos...
Ela andava apressada, repetindo, quase que a cada passo, "devia ter escolhido outro sapato". O vento seguia brincando com seus cabelos e os ponteiros do relógio apostavam corrida contra as suas pernas.

Finalmente o parque e aquele sorriso estampado que afasta saudade...

Aí o barulho do trânsito virou silêncio; a poluição visual, um borrão, como num retrato em que se desfoca o fundo para sublinhar o que se quer mostrar. E de repente ela era mocinha de longa metragem da Metro-Goldwyn-Mayer, totalmente sessão da tarde. Sim, clichês no coletivo. Mas por favor, não estraguem o clima: o pra sempre se assusta fácil.



quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O dia veio cinza, meio que fazendo protesto pela primavera já ter chegado e o ano estar mais para fim que para começo...

Ela acordou, mas se deixou ficar na cama.
Ainda estava cansada, não o corpo que esticava e encolhia, virando de um lado para o outro...
Talvez fosse uma certa melancolia, um pesar pelo passar do tempo, que fazia tudo parecer mais rápido, mais raro e, umas vezes, mais raso...
Certamente não era amargura, porque dela, só se servia no café: sempre preto, puro e forte...
Então procurou por fora, esquadrinhou o quarto... Definitivamente, não era.
Fuçou lá dentro... Era como uma fome sem saber de quê, uma falta de jeito, um torcicolo de idéia...


Aí tocou uma música e ela totalmente desperta entendeu...
Tava era com solidão de você.


Foto: http://julkusiowa.deviantart.com/art/soft-98124340



terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uma tarde em pleno meio de semana, um sol estalado e pregado no céu, o ar parado, quase sólido, um abafado barulho de motores e buzinas bem ao longe.

Ela cheia de trabalho e de uma falta de vontade de cumprir obrigação... Na verdade estava no seu mais perfeito modelo de complicação: com vários itens de série, todos os adicionais disponíveis para o seu ano de fabricação e mais aqueles adquiridos ao longo do tempo.

Nesse estado de ânimo, largou as canetas, fechou o editor de textos e foi pro jardim: andar descalça, sentindo a grama quente sob os pés - gentebichosemidomesticado não pode viver em apartamento, simplesmente não cabe.

Então, para acalmar a mente resolveu fazer barulho: com pregos, martelo, suor, tábuas e uma completa falta de jeito, entendeu por bem arrumar o fundo solto da floreira. Dedo amassado, jeans rasgado e já dava para plantar: pedras, terra, água e adubo; medos expostos à luz; idéias e escolhas revisitadas.

No fim da tarde, leve e suja, ela via da janela aberta a chuva que caía pesada e poética sobre as suas cinco gérberas coloridas. Com o cheiro de terra molhada vinha a certeza de que às vezes ela precisava se ver pelo avesso para entender direito o a trazia de volta, impelindo-a a continuar.


Foto: http://lovelywordthief.deviantart.com/art/Spring-96463391

domingo, 14 de setembro de 2008

Engraçada a dualidade.
Uma melancolia a invade sempre que o dia de domingo vira noite, assim, quando começa a escurecer com passarinho cantando, dá nela uma espécie de banzo, mas sem ser... não é ruim, só um sinal que ela está ficando de tardinha. Por outro lado, manhã de domingo é quase uma festa, se tiver sol então, ela coloca música e vira flor... descalça na grama a vida fica mais simples.
Hoje foi assim, manhã no jardim com vestido de algodão, sol, azul, passarinho e brisa.


Era nesse cenário que ela queria que você entendesse que o amor só sabe ser inteiro e grande, pode até chegar em pequenas porções: num olhar que se reconhece, num conjunto de gestos que aproxima, num tom de voz que acalenta, num cheiro que chama... mas nem se engane, amor vem com autoplay, sozinho se monta e de peças vira todo.
Garantias, prazo, manual... não tem não; mas durável ou não, ele é quase eterno, que nem luz de estrela que continua caminhando depois que ela já foi. Um estado assim novo - de sítio e de graça - assusta que arrepia, mas num sopro, dá alma.


Se você estivesse ali, se fosse parte daquela manhã, veria no sorriso dela o encantamento que provoca.





quinta-feira, 11 de setembro de 2008

E aconteceu que um dia ela acordou com os olhos embaçados. Eles não doíam ou ardiam, não estavam vermelhos ou inchados, mas tudo que via era semelhante a uma fotografia mal focada.
Piscou várias vezes... Faltou ao trabalho. Usou colírio... Fechou as cortinas. Por fim, marcou uma consulta.

Dirigir? Andar? Escolheu um táxi - bem ela que fazia tempo não confiava nos olhos dos outros. Enquanto o carro seguia, colocou os cabelos atrás da orelha e arrumou os óculos escuros, que eram grandes como o medo.

Exames físico e complementares... inconclusivos.
Nada errado, foi o que o médico disse, entregando a receita - um colírio e um calmante.

Ela conhecia um outro tipo de falta de visão: Já ficou cega de raiva, tropeçando em sonhos desperdiçados e arremessando palavraspedra; cega de paixão, tateando paredes de castelos feitos de nuvens e vento; já fechou os olhos com força para não enxergar o que não queria, numa espécie de cegueira voluntária; e já foi incapaz de ver o que estava bem na sua frente, num tipo de ingenuidade instrumental. Mas em todos esses casos ela via com os olhos, era a razão que estava obliterada. Agora não, o mundo parecia nublado.

Desanimada pegou outro táxi, queria ir para casa...
O motorista - um senhor que parecia muito idoso para dirigir - puxou conversa. Taí uma coisa que ela não tinha a menor vontade de fazer naquele momento, conversar. Então se limitou a ouvir, soltando de vez em quando um aham, um sei, ou um imagino.
Quando estacionou o carro na porta da casa dela o senhor perguntou:
- Vista ruim?
Ao que ela respondeu com outro aham.
- Coração úmido embolora as vistas - foi o que ele disse enquanto dava partida no carro.

E de repente ela tinha pressa.
Subiu as escadas, trombando com sombras. Destrancou a porta de casa e correu para o quarto. Abriu gavetas e armários - devia estar ali, em algum lugar - o tempo passava e tudo era desordem: roupas na cama, livros no chão, cabelos soltos no rosto... Ela estava cansada e apreensiva, mas agora só faltava uma cômoda antiga.
Abriu devagar, gaveta por gaveta, sem sucesso... Em desalento, mas ainda segura por um fio de esperança, abriu a última e foi lá que encontrou, guardado bem no fundo, junto com outras coisas antigas e usadas, o coração, que um dia tinha tirado do peito.
Com cuidado, colocou-o de volta no lugar - certas coisas não devem ficar em gavetas.




http://bellemagie.deviantart.com/art/Paper-Heart-59217882

domingo, 31 de agosto de 2008

O dia tinha sido comum - os horários, o trabalho, as pessoas, os lugares - mas ela estava diferente.
Uma sensação de falta, um incômodo que insistia em segui-la até em casa. Pelas calçadas de sempre, aumentava e diminuía o passo, mas foi vã sua tentativa de despistar a inquietude.

Chegou, desabotoou a saia e abriu a janela como se buscasse uma liberdade figurada, deixou que o vento brincasse com os seus cabelos por alguns instantes, enquanto tentava esquecer... mas não conseguiu.
Impaciente foi ao banheiro, com as mãos em concha e em movimentos repetidos jogou água gelada no rosto. Pouco tempo depois a água lhe escorria pelo pescoço, molhando a camisa já amarrotada e arrepiando a pele. Abrindo os olhos, viu seu reflexo no espelho... pode ouvir a voz de Cecília - "eu não tinha esse rosto de hoje. Assim calmo, assim triste...".
Cansada de lutar contra a perturbação que já havia se instalado em seu espírito, deixou-se cair, exaurida, no sofá da sala.
Ali, entregue, largou as armas, tirou as máscaras, despiu-se do figurino e descalçou os sapatos de concreto.
Para sua surpresa, na medida em que se afastava do modelo que lhe era imposto, com mais clareza via a si mesma. Longe dos excessos, da certeza fixa e da verdade pronta, pôs-se atenta e por fim, pode escutar a sua alma.


Quando deu por si, a noite já ia alta. O silêncio era regra, excetuado apenas por um rádio, que numa batida gostosa repetia, lá longe, "a vida é curta para ser pequena."
Pensando que amanhã seria o primeiro dia, olhava o mundo pela janela do apartamento: tudo era diverso... Seus olhos eram os mesmos, mas o foco era outro.
Cansada e feliz, vestiu o pijama e foi dormir.


Foto: http://detail24.deviantart.com/art/life-83390630

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Deixou o corpo desenrolar devagar, bem na velocidade de domingo. Ainda na cama, ouviu a chaleira que apitava na cozinha, lembrando à boca o gosto do café.
Tomou um banho morno e demorado, desses que deixam as pontas dos dedos enrugadas, os ombros soltos, a alma lavada e perfumada.


O céu de inverno estava diferente... Um sol morno num azul aberto... Parecia convidar para uma volta.
Como ela nunca foi de dar toco no céu, não se fez de rogada e saiu distraída como aquele eu te amo, que sem ensaio, escorrega no peito, tropeça na língua e cai da boca.





Foto: http://ultraviolett.deviantart.com/art/monday-morning-49137001

domingo, 17 de agosto de 2008



I


Bibliotecária e muito tímida: o trabalho era uma boa desculpa para falar sussurrando - "devia ser o costume", comentavam os vizinhos. Seus cabelos castanhos sempre iam presos num rabo-de-cavalo; todos os dias usava saias de pregas e camisetes bem assentados; eram marrom, bege, pérola, gelo e todas as gradações dos tons invisíveis. Acordava às sete horas e um minuto - não gostava de horas redondas. Quando saía de casa levava músicas no ouvido - tinha decidido aprender inglês por meio delas - um livro nas mãos, a bolsa e o guarda-chuva.


II


Atrapalhado: não era muito bom em pensar e prestar atenção ao que acontecia do lado de fora, assim, vivia esbarrando e tropeçando - "nas idéias", como dizia a sua avó, "nas idéias". Os cabelos escuros eram penteados de lado; os óculos, obrigatórios desde cedo, tinham aros pretos; usava calças xadrez, camisas claras e sapatos sempre bem engraxados. Trabalhava como técnico de manutenção, numa grande fábrica de máquinas fotocopiadoras. Queria aprender a falar com doçura e cadência, por isso ouvia bossa nova.



I + II


Então um dia aconteceu, numa esquina comum aos dois; um atraso, anormal para ela; um esbarrão, trivial para ele.
Coisas no chão, num arremedo de desculpas, palavras ditas ao mesmo tempo.
- Eu nunca... - sussurrou ela.
- Eu sempre... - arranhou ele.
Sorrisos encabulados e o brilho de um talvez...



Foto:http://anemotionalfailure.deviantart.com/art/Vintage-idea-36471687

segunda-feira, 11 de agosto de 2008


A janela aberta vira moldura para a cortina que dança serelepe, conduzida-seduzida pelo vento.
Os papéis e fotografias, espalhados pelo chão, mudam de lugar numa tentativa de combinação: sorrisos distantes, frases alegres, carta de adeus, por do sol na praia...
Imagens, palavras e o vento.


É assim que está tudo quando ela chega em casa.
Da porta, aprecia o cenário, por alguns instantes chega a ensaiar uma reclamação mental pela janela esquecida aberta, mas muda de idéia.
Entra, coloca uma música, tira os sapatos e atira a bolsa no sofá. Pega uma taça de vinho e senta no chão. Muita lembrança embaralhada no piso frio.


Poucos minutos e começa a chover.
Ela corre e fecha a janela, encerrando, sem saber, os galanteios do vento e deixando uma cortina triste a escorrer pela vidraça.
Um trovão e ela sorri lembrando do que ouviu, "não fica assustada, sou eu gritando que te adoro".
Papéis e fotografias vão parar na gaveta...
Ela teve o passado - por vezes, foi ele quem teve a moça - mas isso foi antes, quando ela tinha medo de trovões.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008



No céu, poucas nuvens passavam apressadas. Um vento de assovio fazia a árvore balançar. Ao longe uma música baixa, gostosa de ouvir, talvez the heart of saturday night - certo que com algumas horas de atraso, afinal era manhã de domingo.


Mais um agosto e de novo aquelas várias alusões ao desgosto. Sempre estranhou essa idéia de conferir poderes aos dias, objetos e números - como se deles emanasse uma espécie de força a conduzir o destino: azares e sortes.
Dizem que o mês em curso é muito pouco propício aos relacionamentos amorosos. Essa pecha nasceu em Portugal, na época das grandes navegações... agosto era quando as embarcações zarpavam dos portos, então as mulheres que se casavam nesse mês não tinham lua-de-mel.


Ela é de agora, suas descobertas prescindem de grandes navegações e suas expansões ultramarinas não carecem de portos. Assim, recebe o mês com o coração tranquilo - é certo que a saudade anda espiando atrás da porta - mas ela mantém um sorriso leste a oeste, e segue pensando em abraços, cobertas e Djavan à capela.


http://lilfloweronthefield.deviantart.com/art/my-name-is-hope-56620620

sexta-feira, 25 de julho de 2008


"Segundo o diretor da Escola de Astronomia e Astrofísica da Austrália, Simon Driver, existem pelo menos 70 setilhões (ou seja 70.000.000.000.000.000.000.000.000) de estrelas no Universo - cerca de dez vezes o número estimado de grãos de areia na Terra." (http://pt.wikipedia.org/wiki/Estrela)

Pela janela aberta, via a rua vazia de passos.
Lá fora, uma sacola plástica rodopiava devagar: o vento soprava frio, mas estava fraco.
Escurecia rápido, como era comum nessa época do ano. A lua viria cheia, o que trazia à lembrança a parte inicial do soneto de Orfeu:

"São demais os perigos dessa vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida"
(Vinícius de Moraes)

Achava a lua linda, mas sempre teve uma afeição especial pelas estrelas. Não as conhecia pelos nomes e nem sabia identificar seus desenhos, mas gostava de olhar, traçando linhas imaginárias que formavam figuras e caminhos.
Costumava passar horas, sentada no telhado de casa, olhando o céu.

Foi mais ou menos isso que ela fez na noite anterior.
Acordada, observou as pintas nas suas costas.
A pele clara em contraste com os pontos escuros, seqüência aleatória de reticências.
E ela que nasceu sem bússola, vagou entre as suas constelações.


segunda-feira, 14 de julho de 2008


Um frio de assovio, numa noite clara vestindo um céu estampado de estrelas.
A cama demorando e cheia de arrepios, as cobertas encolhidas pela falta de calor.
Meias, mãos embaixo do travesseiro e nariz gelado.
Ela nasceu no inverno, mês de julho, e mesmo gostando do sol, é uma garota da estação.

Se mantém desperta pelo incômodo que precede o equilíbrio térmico.
Serão poucos minutos e ela sabe disso, então, mais resignada que paciente, vai deixando o pensamento livre, e ele vaga pelo ano que passou... os caminhos e as escolhas; a rara, mas presente, impulsividade e seus tufões ocasionais; o medo que andou meio rebelde, mas que já voltou para coleira...

Um calorzinho bom vai se instalado... o corpo relaxado, desfazendo o casulo e se espalhando na cama... os olhos pesados descendo devagar e o coração leve deixando o sono chegar.
Ela, pronome pessoal do caso reto, longe da proteção limitativa dos oblíquos, não é mais complemento. Agora, ela é sujeito (e dorme...shh).

http://ponto-quente.deviantart.com/art/This-is-fact-not-fiction-43799052

PS: A Lu, do Esquadros, indicou o blog para o prêmio 5 estrelas (Beijo Lu!).

Os meus indicados foram: Esquadros, Balão Carmim, Balão e Âncora, Esse Papo Também, Sem Crase.

Quem quiser indicar os blogs preferidos é só passar lá no Gotas Diárias de Sentimento.

http://www.gotasdiariasdesentimento.blogpost.com/

segunda-feira, 7 de julho de 2008


Depois que escurecia, as pessoas que se aventuravam pelas ruelas da Idade Média normalmente faziam uso dos serviços de um codega. Era sempre um homem, cuja função consistia em guiar o seu contratante, levando-o em segurança ao seu destino. Para isso, seguia na frente de lanterna em riste, iluminando o caminho e afastando os malfeitores.

Mais seguro é verdade, mas talvez com ela não funcionasse direito. Nunca foi boa seguidora, então, bem mais difícil para o guia.
Esse negócio de soltar o corpo e se deixar levar... ela é mais âncora que pluma, mais vento que pipa.
Dançar com ela não é fácil... uma espécie de judô valsado, capoeira em minueto.

Apesar disso, regada com diária paciência, ela vai melhorando. Hoje já aceita que você faça os barcos nos quais ela sai navegando.

http://thevampiredred.deviantart.com/art/boats-will-take-me-away-46825033

domingo, 29 de junho de 2008



Quando se fala em extinção é comum pensar em espécies da fauna ou da flora, lembrar do aquecimento global, do efeito estufa, do rombo na camada de ozônio... Mas não é exatamente disso que se trata.
Anos de pesquisas, investimento, avanço tecnológico e algumas profissões, por obsoletas, deixam de existir.

As máquinas de escrever, por exemplo, não são mais usadas. Logo, estão extintos os professores de datilografia. Você alguma vez se deixou embalar pelo som de uma máquina dessas? A seqüência cadenciada das letras e do espaço; as mudanças de linhas; a retirada da página. O ritmo em conformidade não com habilidade de tocar teclas, mas com as certezas e dúvidas próprias de quem tenta tocar as palavras e com elas alcançar os outros.
Os postes para iluminação pública no passado eram acesos por homens. Logo no início, usavam fogo e óleo, muitos anos depois, bastava virar a chave do interruptor. Eles vinham a cada entardecer e colocavam olhos nas ruas e praças. Quando amanhecia eles voltavam, lhes dando descanso.
Claro, é o progresso e nada contra as inovações... quer dizer, talvez uma pequena objeção, ou melhor, faz de conta que esse é um minuto de silêncio em homenagem às atividades arcaicas que de uma queda foram ao chão.

Ela pensava nisso, enquanto lia numa revista de antes de anteontem, que cientistas conseguiram extrair o DNA de um tigre-da-Tasmânia - bicho simpático, meio zebra, meio lobo que deixou de existir em 1936.

Foto: http://lunati-que.deviantart.com/art/el-tiempo-pesa-68640914

domingo, 22 de junho de 2008

"Don't be coming, come!"


O inverno chegou, desde ontem às 20 horas e 59 minutos. É bem verdade que o tempo não se ocupa dessas formalidades, parece que até brinca com elas. Tanto é assim, que faz uns dias que aqui é inverno de meias e luvas.
Exatamente por isso a manhã de hoje foi um presente. Um sol manso apareceu deixando o azul frio do céu ainda mais claro. As cores estavam vivas, mas não ofuscantes, simplesmente existindo, luz na medida certa.

Encantada, ela assistia à manhã, quando ouviu mais uma vez a voz. Não vinha de fora como o vento que dá na cortina; mas de dentro, tal qual eco de um pensamento. Era uma espécie de chamado para tudo o que ela poderia ser se quisesse, se permitisse...
Não era a primeira vez que ela percebia essa comichão, mas sempre respondia com um "já vai" medroso ou um "preciso me organizar" reticente. Essa era a criptonita dela: a apreensão diante da dúvida; a incerteza quanto à altura e a possibilidade de vôo; a imobilidade.

Apesar disso, ainda arde a brasa que alimenta o desejo de vertigem e é certo que ela vai acabar virando labareda.

quinta-feira, 12 de junho de 2008


"Em uma cidade há um milhão e meio de pessoas, em outra há outros milhões; e as cidades são tão longe uma da outra que nesta é verão quando naquela é inverno. Em cada uma dessas cidades há uma pessoa; e essas pessoas tão distantes acaso pensareis que podem cultivar em segredo, como plantinha de estufa, um amor a distância?" Rubem Braga - Não ameis a distância!



Ela conhecia o aviso do escritor - "Não ameis a distância, não ameis, não ameis!"


Pensava, com um meio sorriso estampando o rosto: caro Rubem, de tantos textos, tantas vezes lidos... tem hora que não dá para contar com a geografia.
Apesar da admoestação, lá estava ela seguindo exatamente pela vereda oposta. Ignorando solenemente o conselho. Sim, apesar de todas as opiniões e advertências, sumiços e saudades, ela hoje faz parte do aflito grupo dos que querem os de longe.
Já seguiu mar a dentro, e embora goste do balanço, percebeu que para se ajustar à distância vai precisar de engenho e arte (meio Lusíadas mesmo...)
Os braços têm que ser longos e fortes. Prontos para chegadas e despedidas. Aptos para malas, abraços demorados e ainda mais para carregar a alma.
Pacientes de horizonte, devem ser os olhos. Tantos dias com mais de vinte quatro horas, tantos minutos com menos de sessenta segundos...
A escrita deve correr, ser rápida como Pégaso, ágil como Hermes. Retrato instantâneo do agora, resposta imediata do sentir.
No mais, lighting crashes...



Foto: http://biskuitoreo.deviantart.com/art/long-distance-call-40153241

terça-feira, 3 de junho de 2008

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Não tanto à melancolia, as manhãs cinzentas sempre lhe foram propícias à reflexão.
Em dias assim, os pensamentos seguem a fluidez das nuvens e voam como levados pelo vento. Alguns, talvez por serem menos aventureiros ou, quem sabe, mais teimosos, se deixam ficar, fazendo hora na ante-sala do entendimento.

Na cama, entre travesseiros espalhados e sonhos incompletos, ela se encolhe sob as cobertas. Gosta de acordar devagar, ir aos poucos despertando o corpo e espreguiçando as idéias, dando tempo para a alma se acomodar. Nesse intervalo, antes de atravessar definitivamente a fronteira para o aqui, ela escreve livros, verdadeiros compêndios; desenvolve teorias das mais complexas e variadas; visita lugares e pessoas, sem risco de desencontros, mata saudades.

Abre os olhos devagar e sente os dedos de luz que vão se esticando pelas frestas da persiana até alcançar suas pernas. Lânguida, imersa no quase, pensa em como se compôs canção de hoje.


domingo, 25 de maio de 2008

Delicadeza


O tempo mudava devagar...
Embaciado, o céu estava cheio de nuvens desnorteadas, eram retalhos em movimento, testando combinações.
O sol se fazia menos presente. Verdade que não sumia de uma vez, por delicadeza, ia embora aos poucos, cada dia aparecia menos, até chegar a hora em que o calor não aquenta mais, igual abraço de amor que já foi.

João Gilberto e Tom Jobim, chega de saudade: os acordes limpos do piano; a precisão do violão; a suavidade da voz; a simplicidade poética da letra, a batida...
Ela, tão bem acompanhada, sorria para o tempo se achando uma moça cheia de bossa.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Movendo folhas e pensamentos

Estava sentada numa cadeira giratória, daquelas que dão olhos à nuca e mãos às costas. De frente para a janela, via o outono, com seu amarelo-frio, meio tango, meio blues.
O vento não dava trégua, seguia, tirando tudo do repouso...
Levantava a poeira fina da rua, fazendo os passantes apertarem os olhos e praguejarem baixo (pelo menos era o que parecia diante das caras que faziam e da forma com que gesticulavam)...
Tecia uma coreografia estranha e bela, com as folhas secas caídas no chão e com os papéis que deixavam ali, displicentes. Às vezes usava um grupo; noutras, um solista. Eram rodopios e vôos sem ter fim...
Tinha hora que errava de folha e ia atrapalhar a leitura do rapaz de blusa xadrez e calça de veludo, que insistia em ler no banco da praça...
Como se não bastasse, ainda embaraçava os pensamentos dela, do mesmo jeito que fazia com os cabelos longos, da menina que brincava no balanço.
Mas depois de tanto pé-de-vento e redemoinho, ela adquiriu uma certa prática, aprendeu que nessas horas de agito interno, o melhor a fazer é deixar estar...
Assim, de olhos fechados, se permitiu ficar uns instantes aproveitando o calor do sol - que quase não estava ali.
É desse jeito que, às vezes, ela sente o seu.

Foto:http://catpuff-noir.deviantart.com/art/Blow-and-Wish-77486338

sábado, 10 de maio de 2008

Forma e volume


A tarefa era levar para escola uma vasilha, qualquer uma, não importava a cor, o tamanho ou o formato - garrafa, balde, tonel, vaso.
Que coisa diferente para uma tarefa, pensou ela intrigada.
No dia seguinte, vestiu o uniforme, toda pensativa. Os babadinhos eram irritantes, mas ela adorava a jardineira, era de saia e xadrez de cor de rosa. Depois do café da manhã, pegou a garrafa azul de vidro grosso, que a mãe tinha colocado embrulhada numa sacola e foi para escola.
A atividade consistia em perceber características dos estados da matéria - forma e volume.

Ela, na maioria das vezes, se adéqua bem. Cidades grandes e pequenas; trabalhos e grupos diferentes; comidas e horários. Se fosse um estado da matéria, seria líquido: essa flexibilidade, talvez demonstre a ausência de forma própria; mas o volume, esse é definido.
Como um rio, ela corre, seguindo o leito já traçado, mas de tempos em tempos, o caminho se estreita e ela sente a opressão das margens. Novas idéias, pensamentos andarilhos e desejo de mudança surgem como afluentes e ela, em tempestade, é toda inundação. Precisa de espaço para desdobrar a alma e deixa-la ao sol; para inflar os sonhos, permitindo que eles ganhem altura; e ela, a imensidão.
PS: Babadinhos continuam irritantes.

domingo, 4 de maio de 2008

Encontro


A água corria junto ao meio-fio, ia fraca porque o declive era leve. Enquanto isso, ela fazia o caminho contrário, subia a larga avenida, pedalando devagar, aproveitando o vento morno e a falta de movimento.
Ao longe avistava uma senhora: vinha pequena com passos de paciência; tinha o cabelo cinza preso, possivelmente, num coque; trajava um vestido cor do tempo repleto de florzinhas esmaecidas e trazia numa das mãos um embrulho.
Na medida em que se aproximava, reparava melhor. Embora lento, o andar da senhora era firme; ela não vacilava; estava claro que o tempo não lhe tinha levado o vigor. O saco pardo era da padaria que ficava ali perto. Certamente a senhora estava levando o pão para o café da manhã.
Alguns metros a frente, uma menina de vestido colorido e sandálias brancas corria, equilibrando-se na guia do passeio. Afastada, a mãe atordoada e carregada de sacolas de compras, gritava, em vão, pedindo para que ela esperasse. A equilibrista, por sua vez, olhava para trás de tempos em tempos e continuava na mesma toada.
Chegando na esquina, ela passou pela senhora e pela menina; os olhos das três se cruzaram - iguais em brilho, vivacidade, esperança - e elas trocaram sorrisos. Naquele momento foi como se o tempo se dividisse e permitisse que o passado, o presente e o futuro se encontrassem no breve espaço de um bom dia...

domingo, 27 de abril de 2008

Idéias e labirintos

Pensando, matutando, cismando... gastava uma grande parte do tempo assim, absorta em cogitações, que faziam curvas; traçavam retas; às vezes se perdiam em corredores escuros; muitas outras, acabavam em jardins ou quintais com sol e roupa quarando.
Se alguém tentasse acompanhar o fluxo do seu pensamento, talvez se perdesse em meio a tantas idas e vindas, cabriolas e rodopios.
Num primeiro momento podia parecer um problema de fácil solução: migalhas ou pedrinhas serviriam para marcar o caminho, assegurando o regresso de quem se aventurasse.
Mesmo assim, a exemplo da fábula infantil, não seria garantido.
Se ela, agitada, balançasse a cabeça para afastar um pensamento inoportuno (como de hábito), as pedrinhas ficariam misturadas e já não sinalizariam o caminho, mas num pequeno monte, denunciariam a confusão.
Por outro lado, caso se deixasse levar por devaneios (o que não é incomum), ficando um pouco avoada, o vento criado pelo bater das asas das idéias, faria com que as leves migalhas alçassem vôo e perdessem a serventia.
Mas ainda poderia existir um jeito... Tal qual Teseu, o intrépido visitante, pessoa assim destemida, poderia utilizar um fio, por via das dúvidas, um cabo. Entraria pelos olhos, que é o lugar certo para conhecer os pensamentos, e com a corda presa ao cárdio, que por ser músculo deve ser forte, andaria pelos corredores, superaria becos sem saída e alcançaria o centro.
Não há pomo, é verdade, mas tem uma menina de rosto vermelho que fica por ali pulando corda, com o rabo-de-cavalo balançando e que não se faz de rogada quando chamada para papear.
Ps: Maria, obrigada pelas idéias.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Possibilidades


Não se pode ter paz evitando a vida.
(Virgínia Woolf)

Enfim percebeu a vida como um emaranhado de caminhos: com rotas entrelaçadas, estradas vicinais, vias com trechos interrompidos, pistas duplas e simples.
Agora, olhando para trás consegue ver de forma clara as escolhas, as omissões, os atalhos e rodeios que compuseram seu trajeto até aqui.
E lá está ela de novo, parada diante de mais uma encruzilhada.
É ela, mas diversa... sem o cenho franzido, o maxilar tenso ou os ombros curvados, a vida já não lhe pesa.
Traz no rosto um sorriso amplo e um olhar estampado e é assim que conduzirá o seu destino de hoje em adiante, desenhando o futuro com lápis de cor e giz de cera.

Se você estiver passando por ali, talvez imagine se tratar de um caso corriqueiro de indecisão. Afinal, diriam alguns, é apenas uma mulher parada numa encruzilhada, olhando o horizonte.
Grande engano.
Ela, determinada, sabe que o tempo é por demais precioso para ser gasto com o asfalto, melhor mesmo é admirar a paisagem.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Faxina


Vestido xadrez de vermelho, pés descalços e olhos vendados... foi girada para um lado, depois para o outro... barulho... meio tonta e sem ver direito, se guiou por vultos e vozes... cabra cega no quintal.
Depois de crescida, algumas vezes se sentiu assim. Caminho turvo, escolhas fundadas em suposições e receios. Mas, nada como o tempo para clarear as idéias e redesenhar o horizonte.
Ela balançou a cabeça, fazendo cair esses pensamentos que estavam enrolados nos cachos dos seus cabelos. Foi à cozinha, pegou uma caneca de café - quente, forte e puro. Ligou o computador para responder o e-mail:

"Muitas vezes me peguei pensando em como a gente encontra as pessoas. São tantas as coisas que têm que se encaixar antes mesmo do primeiro 'oi'. Você já imaginou se tivesse chegado um pouco depois ou saído um pouco antes? (aplicação da teoria do caos aos relacionamentos interpessoais - um bom título para uma tese. Com o subtítulo apropriado, teríamos um livro de auto ajuda com maquiagem científica...risos).
Sua tolerância com os meus desacertos, serenou o tumulto da minha cabeça e me ajudou a aquietar o coração. Então eu concordo com você, desencontros podem ser encontros em potencial - talvez em novo formato ou noutro ritmo, mas nem por isso menores em importância.
Quanto ao CD, eu só reparei depois que você falou, alguns trabalhos anteriores da Adriana Calcanhoto tiveram mesmo o mar como tema. Antes de ir, vou deixar uma das músicas que eu disse que gostei.
Guardo você comigo,
Beijo."

Ilustração: Claudia Degliuomini

terça-feira, 15 de abril de 2008

O senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal *?

(Kurt Halsey)


Quando ela era bem pequena, os pais dela tinham um sítio, nos finais de semana iam todos para lá. Ela achava tudo encantado, gostava de pensar que a chácara dela era parente próxima do Sítio do Pica-pau Amarelo.
Existia um pomar enorme que ela amava desbravar, calçada com as suas botas sete léguas amarelas (a insistência na cor pode parecer defeito no texto, mas fazer o que? a realidade por vezes se repete). Bom, é verdade que havia um problema, ela embora peralta era novinha, e algumas árvores eram bem altas, resultado, logo fez amizade com as jabuticabeiras.
Tinha também um córrego, onde ela pescava girinos com copos de vidro transparente. Ela dizia que eram peixinhos e ficava intrigada porque a mãe não deixava mais os copos que ela usava junto dos outros, dizendo que tinham ficado sujos. Mas como podiam ser sujos se eram bichinhos da água? (até que ela descobriu que eles viravam sapos... um cataclismo).
Numa certa feita, o pai viajou, ficaram os três - ela, a mãe e o irmão. O caseiro do sítio, muito falante, começou a contar a história da antiga proprietária, recentemente falecida. Narrava ele, que a senhora gostava muito do lugar, tinha feito o pomar, plantado as flores, escolhido o lugar da casa, e que não tinha tido muito tempo para aproveitar. Por isso ela sempre voltava para visitar o sítio. Todos riram muito e o dia passou. Nessa época, não havia eletricidade na região. À noite, ela, o irmão e a mãe costumavam caçar vagalumes. A mãe, cuidadosamente, amarrava os bichinhos pela cintura com uma linha, numa espécie de fila e depois prendia o comboio no pé da cama (não carece chamar a defesa dos insetos brilhantes e oprimidos porque eles eram soltos depois, quase sempre...). Nessa bendita noite a mãe adormeceu e não soltou os bichos, de madrugada, ela acorda e vê o clarão ao pé da cama, imagina se ela lembrou dos vagalumes....
O tempo passou, o sítio foi vendido, a área que era rural virou urbana.
Dessa época ficaram as histórias e a amizade pelas jabuticabeiras. Três vivem no quintal da casa dela e não a deixam esquecer do tempo das botas amarelas.

* Uma das últimas frases do texto Olhe aqui Mr. Buster...de Vinícius de Moraes.

sábado, 12 de abril de 2008

Sonho


Ela entrou no que parecia ser um enorme livro. Na verdade era um álbum daqueles antigos, com folhas grossas e cantoneiras nas fotografias.
A primeira era de um casamento. Encostou na foto para ver melhor e acabou caindo lá dentro. Deu por si, sentada no chão em frente à igrejinha branca. Levantou rápido, meio desajeitada, batendo a poeira dos joelhos. A noiva entrava, bonita de dar gosto, andava pausado e olhava pros lados. Ao passar por ela, parou por um instante e sorriu de um jeito conhecido... Aquela moça era a vó dela, quer dizer, ia ser ainda. Ela queria perguntar tanta coisa, mas se limitou a sorrir de volta e a noiva-vó seguiu seu caminho.
Ela saiu da foto e continuou perambulando supresa-intrigada-animada.
Logo se deparou com três crianças, todas arrumadinhas. As duas meninas estavam sentadas e o menino entre elas, de pé. A menina mais nova, de olhos pretos e com a barra do vestido suja, acenou com entusiasmo, era a madrinha. Ela respondeu o aceno, mas a menina já estava entretida puxando uma linha solta no forro da cadeira.
Andando, viu vários dos seus nas fotos seguintes, na medida em que avançava no tempo, os tons em sépia davam lugar às cores. A fotografia dos pais, em lua-de-mel, era de um colorido polaroid meio esmaecido.
Um pouco mais a frente e lá estava ela, com uns quatro anos. Se recordava desse dia. Era uma fotografia de família, todas as famílias iam tirar uma foto para um anuário. Estavam a mãe, com um vestido vermelho lindo; o pai, de terno com colete e tudo; ela com um vestido azul e o irmão, com um conjunto marrom. O fotógrafo posicionou todo mundo: o pai de um lado com o irmão no colo, a mãe do outro lado e ela no meio. Na frente, perto do fotógrafo, tinha uma senhora com poucos afazeres, que ficava falando - sorri, olha para cá, vira para lá - uma chatice. Como essa organização toda já tinha demorado um pouco e a paciência sempre lhe foi escassa, encheu as bochechas de ar, franziu a testa e ficou olhando para tal senhora, que estava prestes a dar um siricutico. Alheio a isso tudo, o moço tirou a foto e ela ficou de bico congelado.
A última fotografia era escura, não dava para ver com nitidez a paisagem de fundo. A luz que entrava pela janela alta, incidia de forma indireta e só mostrava uma silhueta, era uma imagem bela. Will you count me in? Enquanto se aproximava... I've been awake for a while now... ela divisava o encosto da cadeira....You've got me feeling like a child now... os ombros...cause every time I see your bubbly face... tinha uma sensação de familiaridade... I get the tinglies in a silly place ...
Era a música do despertador do celular.
Permaneceu na cama por um tempo, deixando que os pensamentos amarrotados se espreguiçassem.
Ilustração - Patrícia Lima

sábado, 5 de abril de 2008

Companhia

Um sol pálido num céu azul sem nuvens, belo início para um domingo de outono. Ela sabia que aos poucos o sol rarearia e o frio se infiltraria pelas portas e pele. Restaria, dessas manhãs de pintura, a saudade.
Pensando nisso, percebeu que nos últimos tempos tem trazido a saudade consigo: solta na bolsa; embolada no bolso; presa à blusa com um alfinete; no cabelo, grudada no grampo. De um modo ou de outro, têm sido companheiras constantes.
Não que ela seja dessas moças melancólicas que vivem penduradas às janelas dos sobrados, cujos suspiros profundos embalam as tardes cinzentas - não, não, ela não. Ela gosta de manhãs de sol, de passear pela cidade, de cenas coloridas, de foto preto e branco e de trilha sonora.
Mas, de uns meses pra cá ela nunca está sozinha, essa senhora bifronte tem andado com a mão no seu ombro. Normalmente, é cordata e calma, uma dama das antigas, educada pra falar baixo e se movimentar com leveza, se fazendo notar apenas pelo sorriso comportado. Noutros dias, no entanto, ela acorda dançando flamenco e faz com que a moça, que não conhece o ritmo, tropece nos seus passos... Aí, a rua é apertada e quarto é amplo.
Observação importante:
A Mariana me deu esse selinho aí do lado (eu adorei). Agora eu tenho que indicar mais cinco pessoas. Vamos lá.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Afeto, união e interseção


O grupo animado que podia ser visto numa mesa afastada, no bistrô do centro da cidade, era formado por sete mulheres. Numa espécie de desvio na rotina, tinham aberto espaço entre os seus compromissos, pois queriam estar juntas.
Refletiam realidades e escolhas distintas. Variavam em idade e forma de pensar.
A de olhos profundos, via na simplicidade das coisas quotidianas a beleza presente em Rubem Braga e Quintana; outra, confiável e prestativa, precisava de evidências e gostava de lidar com certezas manifestas, era pragmática e chorava com filmes antigos; a mãe de primeira viagem, trazia à mão o celular e só enxergava fraldas e mamadeiras, mas reluzia de felicidade; a que era avó, ainda com as olheiras do doutorado, mostrava satisfeita a aliança de noivado e o retrato do sorridente estrangeiro; uma outra, vinha com o bronzeado que tinha conseguido no campeonato de natação que os filhos participaram e ganharam, como ela não cansava de dizer, falava ainda da fotografia de Sebastião Salgado e de que como ficava intrigada e encantada com os escritos de Clarice; uma delas se recuperava de uma separação, mas a dor já não nublava o seu sorriso; a de cabelos curtos, expansiva e amorosa, ouvia com atenção e sorria com freqüência, como fazem as pessoas que estão em paz.
Falavam de sapatos e bolsas, as cores e tendências da nova estação; dos amores, passados e presentes, seus defeitos e qualidades, suas ausências e as perdas; do início da campanha presidencial, com a saída das primeiras pesquisas e os possíveis candidatos; das mais novas dietas e da eterna segunda-feira; de trabalho e desejos.
Tomavam vinho e sorriam felizes. Mulheres diferentes, unidas pelo afeto.


Ilustração de Luciana Feito, "Pajaritos".

sexta-feira, 28 de março de 2008

Afazeres

Fim de mês, contas pra pagar, banco cheio, filas: cenário nada animador.
E ela lá, em pé, atrás de milhares de pessoas - tudo bem, não eram milhares. Pode parecer que ela tem uma certa tendência ao exagero, mas não é isso. Sabe a diferença entre temperatura e sensação térmica? Então, é que nem - Continuando...
Ela lá, um bom tempo de espera pela frente. Nada pra fazer nesse período e nada que pudesse fazer a esse respeito. Já que era assim, ela passou a observar as pessoas ao seu redor.
Um rapaz jovem, magro e irrequieto, examinava insistentemente o relógio a cada três segundos, como se com isso, pudesse fazer os ponteiros correrem. Um senhor, mais baixo e encorpado, de olhar tranqüilo e bigode espetado, acompanhava a ginástica do rapaz a sua frente, balançando a cabeça e com um sorriso indulgente nos lábios. Ao lado, perto de um carrinho de bebê, o rapaz do all star amarelo, discutia com a namorada no celular, alguma coisa acerca de um scrap no orkut. Atrás dela, duas mulheres conversavam sobre um show e uma calcinha vermelha, que uma delas tinha arremessado.
Olhou em volta e percebeu, ao sair do torpor do seu tédio, que estava cercada por movimento e que todo aquele espaço estava repleto de histórias.
Pasmem, a vida acontece também em filas de banco.

Obs: ilustração Marcus Romero - http://meicas.blogspot.com/


Micropoema

Esse micropoema é bem charmoso.


A autora do poema e da ilustração se chama Cláudia e ele foi retirado de http://mundogominola.blogspot.com/


Animação

A animação é simples, mas é bem divertida.




quinta-feira, 27 de março de 2008

...but you




Porque o filme é uma graça (Juno) e a música é bem bonitinha (Anyone else but you)

terça-feira, 25 de março de 2008

Sentido(s)

Um punhado de cores, uma boa quantidade de sentir, alguns cheiros e sons. Esses elementos compõem as lembranças dela. Não há ordem rígida nos arranjos.
As vezes as cores vêm primeiro...
Era domingo, ela abriu os olhos devagar e a primeira coisa que viu, foi uma réstia de sol laranja no lençol branco. De longe, os passarinhos chamavam. Logo o cheiro de café encheu o quarto e ela se deixou ficar na cama, com uma alegria descansada estampada no rosto. Bom jeito de acordar.
Noutras ocasiões o som chega antes...
No toca disco (sim, era uma vitrola mesmo) Paulinho da Viola cantava, da cozinha vinha a voz animada dos pais. Era um final de manhã num sábado lá atrás, já perdido no tempo. O céu aberto tinha um azul vivo. As risadas tinham cheiro de bolinho de arroz e esquentavam a alma dela, ainda menina.
As vezes são os cheiros...
A Maresia, o vento estava carregado do perfume do mar. O som das ondas se desfazendo na areia era a única música que se ouvia. O sol morno secava o corpo molhado de sal e ela toda feliz, de férias do mundo.
Tem hora que eles vêm todos juntos, de mãos dadas...
Ela sediando, no estômago, uma reunião mundial de borboletas. Perdida nos seus braços, o castanho dos olhos dela em contraste com a sua pele clara; o vermelho dos sorrisos; o perfume do encontro; o som ritmado das palavras, enfim ditas. Mas, por enquanto, isso ainda não é uma lembrança...

sábado, 22 de março de 2008

Porque a criança ainda está aí

Mudanças

Ela não nasceu desconfiada, foi ficando. Não sabe direito quando começou ou exatamente porque, mas a vida foi seguindo e ela passou a hesitar.
Reconhece que confiar é um ato de coragem. É acreditar, apostar as suas fichas numa coisa, que na maior parte das vezes, é incerta quanto ao resultado. Isso a assusta, quer dizer, isso também, porque de uns tempos pra cá ela foi ficando inquieta, insatisfeita, com essa imobilidade causada pela sua falta de fé nas pessoas e até nela mesma. Teve perdas em razão desse comportamento arredio e esquivo.
Mas, ela não nasceu assim... e é páscoa, que etimologicamente quer dizer passagem, e no sentido da festa cristã, renascimento; portanto, uma boa hora pra mudar.
As transformações exigem tempo, nesse ponto são intransigentes. Mas ela está empenhada e sabe que deve começar dando pequenos passos.
As vezes é necessário ver vaga-lumes pra lembrar das estrelas.
Obs: Obrigada Lightning Crashes

terça-feira, 18 de março de 2008

Ruas e esquinas


Ela caminha pela cidade com passos largos, carrega na bolsa uma lua nova, meia dúzia de estrelas, alguns raios e outras miudezas. Lá dentro está a carteira de identidade, com aquela 3 x 4 que ela detesta; e ali do lado, uma foto sua, logo ela que nunca gostou de skate. Leva a chave de casa e mais um monte de outras, no mesmo chaveiro esquisito que já tem faz tempo; na caderneta verde, o seu endereço de e-mail. Um pacote de lenços de papel para desembaçar a vista e enxergar por dentro; uma sombrinha cor de rosa, pra filtrar o sol e guardar a chuva; uma caneta sem tampa, pra amarrar pensamentos e anotar tatuagens (agora, as suas quatro). O mp3 player pra ouvir as canções que você mandou; um celular, quase sempre com pouca bateria e no silencioso.Umas poucas moedas, algumas dúvidas e muitas esperanças.
Andando, com a bolsa no ombro, ela se vê feliz, ao pensar que uns caminhos são como ruas que fazem esquinas, se elas podem se encontrar, porque a gente não poderia?
Night and Day
Composição: Cole porter
Cantada por Ella Fitzgerald

domingo, 16 de março de 2008

A mexicana


Não, não é o filme (por sinal, sofrível); não, não é Salma Hayek com sua beleza; e não se engane com a imagem, não é Frida Kahlo com sua força e suas cores. Hoje ela não é pronome, mas substantivo coletivo...
Nela se reunem todas as marias, não a cantada por Milton Nascimento, mas aquelas que se identificam como: María la del Barrio, María Mercedes e Mari-Mar. Isso mesmo, as mocinhas das novelas mexicanas), com seus gritos e lágrimas, com seus dramas e topetes.
Hoje tudo é pouco e muito é nada. Nossa, será que agora é Ana, a Carolina?
Obs: Frida Kahlo, Árvore da esperança, mantem-te firme! 1946.

sábado, 15 de março de 2008

Presente

Ela já recebeu vários presentes ao longo da vida. Alguns em datas especiais, outros que fizeram a data se tornar especial.
Ganhou livros que semearam idéias; cds e canções soltas que ampliaram a sua trilha sonora (sim, a vida dela tem acompanhamento musical, as lembranças dela tocam...); uma bicicleta prateada com cestinha e tudo, pra substituir aquela azul velha que foi a professora; brincos, ela adora os pendentes; anéis (uma vez, teve um que ela não quis)...
Não faz muito tempo, numa noite desassossegada e melancólica, ela ganhou uma estrela pequena e brilhante, mais que isso, veio no pacote uma pitada de quietude, uma porção generosa de alegria e a certeza de uma boa e sincera amizade (esse sim, o maior de todos os presentes).

quinta-feira, 13 de março de 2008

Tempus fugit


Viver o hoje, o momento presente em toda a sua inteireza e complexidade, estar de corpo, mente e alma aqui e agora. Sentir, falar, agir. Ela tem se esforçado nesse sentido...
Não é a procura pela satisfação instantânea e superficial, tão comum nesses dias; também não se trata da realização irresponsável de desejos individuais, sem cuidado com os outros.
É, na verdade, a busca do equilíbrio entre o planejar e o viver - falar o que precisa ser dito, não desistir por medo de fracassar; apostar nos encontros quando eles acontecem, porque são raros e a vida é breve.
Obs: imagem - Pintor Alcir Costa - retirado do livro "Arte para Criança".

quarta-feira, 12 de março de 2008

Primeiros socorros


Ela carrega num canto do coração um baú de recordações, leva ali dentro suas melhores lembranças. Algumas são muito antigas, outras mais recentes, mas todas são especiais.
Guardadas no baú, junto de outras coisas, estão: o cheiro do colo da mãe; a voz do pai quando ele cantava pra ela dormir; a primeira ida ao cinema - era um desenho, cinderela (a gata borralheira) - que assistiu sentada nos pés da avó, porque a sala estava cheia; o toca disco amarelo que carregava pra todo lado; a primeira vez que se equilibrou, sem ajuda, na bicicleta - era bem velha e azul; as arrumações da árvore de natal, com os debates sobre os enfeites; o vinho e as conversas de horas, onde os probelmas da humanidade eram resolvidos; as brincadeiras com os irmãos nos almoços de todo dia; o instante submerso do mergulho, no silêncio a água; o chopp com os amigos, em conversas eternas que duravam até as 23 horas, porque era quando o portão do pensionato era trancado; a sensação de ter certeza que encontrou alguém que vai ser importante na sua vida; o primeiro eu te amo compartilhado...
Esse conjunto funciona como uma espécie de caixa de primeiros socorros, nos dias cinzas ou nas noites de trovoada são essas memórias que lhe dão abrigo e aquecem a alma.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Platão ou Plutão


Duas senhoras, na faixa dos cinqüenta anos, que aparentavam não se ver há algum tempo, conversavam animadas. Lá pelas tantas, uma delas confidenciou que estava namorado um moço mais novo que morava na cidade vizinha, mas que a distância atrapalhava um pouco o relacionamento. A outra ouviu atentamente e logo emendou: "ah, eu não gosto desse negócio de amor plutônico".
Ela, que seguia atrás ouvindo a conversa, não pode deixar de sorrir. Bom, pensou, a idéia corrente de amor platônico ela conhecia... aquele à distância, revestido de fantasia e idealização (ou como o povo das filosofias prefere, o amor focado na beleza do caráter e da inteligência da pessoa, na virtude), mas amor plutônico, esse era novidade.
É certo que plutão (o ex planeta) fica longe, bem longe... então, teria sentido, o amor distante ser amor plutônico, com a vantagem de não significar, necessariamente, amor idealizado... remeteria, apenas, à questão geográfica.
As senhoras já iam longe e ela ainda sorria, pensando na sábia definição de lonjura.
Se é pra ter um amor à distância, que ele seja mesmo plutônico e não platônico.

domingo, 9 de março de 2008

Cumulus

Um domingo de sol, céu azul com algumas nuvens, daquelas gordinhas em cima das quais os anjos brincam (cumulus, é como chamam).
Deitou na grama e fez uma coisa que a tempos não fazia, acompanhar as nuvens. Via como elas se transformavam, na medida em que andavam, impulsionadas pelo vento.
Sorria, pensando que somos todos como elas... o vento que impulsiona cada um, muda conforme os objetivos e a matéria de que são feitos os sonhos. Pode ser o dinheiro; o amor; o trabalho; pra ela é a busca, a constante procura dela mesma.
Alheia a toda essa conjectura, a manhã seguia linda...
E cá entre nós, nada se compara a sensação de estar em paz consigo mesma e ter olhos de ver nuvens.

sábado, 8 de março de 2008

Para elas

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Desperdício


sexta-feira, 7 de março de 2008

Caminho


"É... a vida não alisa", era o que a moça que trabalhava na sua casa costumava dizer quando alguém sofria um revés.
A idéia que ela tinha, era que a outra via a vida tal qual uma senhora solitária, cruel e mesquinha que não perdia oportunidade para espalhar sua amargura.
Na época, ela não entendia muito bem...
Hoje, sabe que a vida nunca lhe foi apresentada dessa forma, como uma entidade externa, autônoma e com poderes ilimitados, muito pelo contrário, ela conheceu a vida como uma caminho em constante construção. E na maioria das vezes, o que alguns chamam de fatalidade, nada mais é do que a conseqüência de escolhas impensadas ou proteladas.
Pra ela, o verdadeiro desafio é saber quem ela é e o que quer, porque viver plenamente exige coragem.