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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Nunca gostou dos jogos que muitas vezes permeiam os encontros amorosos: quedas de braço e cabos de força; lutas e torneios; xadrez e dama.
Do mesmo jeito que é difícil usar salto em areia movediça, é custoso deixar acessível o coração quando ele se transforma em troféu. Ela sabe bem como é ficar com a cara na parede, como aqueles bichos raros: caçados, abatidos e empalhados com olhos vítreos cheios de nada.


Foi por isso a ligação noturna, cheia de álcool, cansaço e esperança.
Disse numa carreira, para não perder a coragem: "Eu não jogo, não gosto do efeito em mim. Quando eu falo sim, eu quero. Umas vezes me arrependo do não. Mas medo, eu tenho mesmo é do se e do quase".


Mas não era hora para você: muito perto, muito rápido e muito certo. Era tanto que assustou e por ser exato, não coube. Virou excesso e portanto, houve resto.


Ela ficou parada ali, na esquina onde se reúnem todos os que tentam. Tomou chá com o tempo, confidenciou com a paciência e olhou a paisagem. Satisfeita com o caminho, levantou e limpou a poeira das roupas - é, poeira é uma coisa curiosa, o pouco que se demora e pronto, ela já mora em você.
Movimento, era disso que ela carecia. Começou a andar, sentir o vento e olhar as nuvens empurrando as horas.


Logo ali na frente, numa esquina dos dias, o seu sorriso. De repente, numa virada de mês, a noite veio e trouxe um beijo. Então o seu tempo chegou e era junto - ela e você, passos entre barcos de papel.


domingo, 26 de outubro de 2008

Acordou com sede...
O barulho do ventilador já tinha virado uma cantilena constante.
Nessas noites quentes tinha dificuldade de dormir, a cama ficava sem encaixe.
Estava suada, a camisola grudada no corpo quente.
Descalça, foi pro banheiro. Era um alívio sentir o frio do azulejo nos pés.
Deixou a roupa no chão.
Com o chuveiro todo aberto se abandonou na água, sentindo a pele esfriar devagar. Não se enxugou.
Foi à cozinha... ainda tinha sede.
A luz da geladeira velha, amarelava o chão molhado.
Pegou o celular na bolsa. Estava com sono.
Discou o seu número, mas desistiu; já estava muito tarde, talvez fosse madrugada...
Escreveu uma mensagem curta: Tô com calor de você.
Vestiu-se de perfume e voltou para cama.


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Hoje acordou do avesso, na verdade nem dormiu, sentiu o amanhecer com os olhos em brasas e a alma amassada...

Fazia tempo isso não acontecia... mas com ela, o sono, vez em quando, revivia esse costume estranho de se fazer de rogado e balançar os braços, agitando uma tempestade de porques, feito vento forte que levanta poeira.

Parecia claro que alguns dos seus destinos escritos já não eram mais realizáveis. Mas o nunca acendia nela uma fome e abria as comportas que permitiam que a moça de pernas cruzadas e vestido discreto, contivesse em si, as outras tantas que carregava.

Quando se rebelava, em dias insones, pintava as unhas dos pés de vermelho vivo. Ousava não combinar a bolsa com os sapatos. Atravessava a rua fora da faixa. Comentia o delito de pisar na grama.
Mas hoje, estava cansada de cartilhas e caligrafias, cansada pela noite mal dormida e pelos dias em que se deixou presa das expectativas alheias.
Queria sua própria verdade, então, vestiu um decote e saiu pela rua com seus óculos de uma perna só, procurando pistas de si.
Queria mais que um sorriso no portão, afinal ela era de segunda à domingo. Mais que um bilhete, sua vontade era de cartas intermináveis. Desejava a generosidade abusada do excesso.

E então você ao telefone... com voz de banho dá bom dia e chama pra vida.
Amar, isso sim é transgredir.



domingo, 12 de outubro de 2008

Ao contrário da noite passada, quando os minutos velozes encurtavam o tempo e afastavam os lábios, apressando a despedida; a manhã surgiu vagarosa e abusando das metáforas, nuvens escuras e pesadas se espreguiçavam lentamente, o dia andava a pé.

Rolou na cama, procurando o seu corpo-limite para que tivesse paragem e abrigo, mas tudo era amplidão. Se encolheu, com o barulho da chuva que aumentava, sentiu uma falta de pele, mas era uma saudade sem ponta, igual tesoura de criança que quase não corta, só marca.
Decidiu levantar, estava contrária ao dia...


Vestiu um sorriso largo e confortável; ligou o ventilador dando uma aragem artificial para os pensamentos; escolheu uma música de sol - simples, crescente e divertida, que falava do tempo sem pressa; lápis de cor em folha branca e num instante arco-íris no céu...
Os problemas... Ah, para que existe segunda-feira?


Foto:http://cukier-puder.deviantart.com/art/come-fly-with-me-97741647

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Não gostava de relógio, andar sempre algemada ao tempo, não era coisa para ela, precisava de braços livres para andar e das mãos soltas para falar... Mas estava atrasada e não entendia porque: tinha começado a se arrumar com uns minutos de folga, havia separado a roupa e escolhido o sapato... seria rápido, mas a cena dela parecia estar em slow motion.

O centro da cidade, em horário de pico, era uma confusão de buzinas e sirenes, vozes e músicas; uma mistura de cores e coisas, propagandas e estilos...
Ela andava apressada, repetindo, quase que a cada passo, "devia ter escolhido outro sapato". O vento seguia brincando com seus cabelos e os ponteiros do relógio apostavam corrida contra as suas pernas.

Finalmente o parque e aquele sorriso estampado que afasta saudade...

Aí o barulho do trânsito virou silêncio; a poluição visual, um borrão, como num retrato em que se desfoca o fundo para sublinhar o que se quer mostrar. E de repente ela era mocinha de longa metragem da Metro-Goldwyn-Mayer, totalmente sessão da tarde. Sim, clichês no coletivo. Mas por favor, não estraguem o clima: o pra sempre se assusta fácil.



quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O dia veio cinza, meio que fazendo protesto pela primavera já ter chegado e o ano estar mais para fim que para começo...

Ela acordou, mas se deixou ficar na cama.
Ainda estava cansada, não o corpo que esticava e encolhia, virando de um lado para o outro...
Talvez fosse uma certa melancolia, um pesar pelo passar do tempo, que fazia tudo parecer mais rápido, mais raro e, umas vezes, mais raso...
Certamente não era amargura, porque dela, só se servia no café: sempre preto, puro e forte...
Então procurou por fora, esquadrinhou o quarto... Definitivamente, não era.
Fuçou lá dentro... Era como uma fome sem saber de quê, uma falta de jeito, um torcicolo de idéia...


Aí tocou uma música e ela totalmente desperta entendeu...
Tava era com solidão de você.


Foto: http://julkusiowa.deviantart.com/art/soft-98124340